quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - em 1922, título e vaga na elite

Pascoal, o Trem de Luxo,
veio do Rio de Janeiro
Com a garantia do campo novo, o Vasco saiu à cata de reforços para a temporada de 1922. E mirou na Série A, a primeira divisão de fato, contratando logo três atletas: o negro Claudionor Corrêa, o Bolão, e Albanito do Nascimento, o Leitão, que vieram do Bangu, e Bráulio do Prado, do Andarahy. O clube pegou no espólio do SC Rio de Janeiro, ainda no fim de 1921, além do campo, um importantíssimo atacante: Pascoal Silva Cinelli, ponteiro direito revelado pelo extinto clube, depois de ser descoberto na Liga Suburbana, atuando pela Fábrica Mavillis. O jogador fez sua estreia ainda naquele ano, num amistoso contra a seleção da Marinha, que terminou com vitória vascaína por 1 x 0, gol justamente dele. Para se ter uma ideia de sua importância, Pascoal seria um dos primeiros ídolos do Vasco, graças à sua habilidade e velocidade. Encantada com seu estilo de jogo, a torcida o apelidou de Trem de Luxo e teria o prazer de vê-lo figurar nas escalações do Vasco por uma década. 

Enquanto o elenco estava sendo formado com grandes jogadores, o desafio era deixar o campo da Rua Moraes e Silva pronto para ser utilizado. O SC Rio de Janeiro mandou lá seus jogos por vários anos. Mas o Vasco não podia. Na primeira tentativa de aprovar o gramado para os jogos da Série B, a cancha foi vetada por falta de arquibancadas. A saída era tocar obras urgentes. O clube chamou várias construtoras e venceu a de José da Rocha Pereira, que cobrou 25 contos de réis, uma pequena fortuna à época, para erguer a arquibancada de madeira com 2 metros de largura, consultório médico, enfermaria e banheiros. 

As obras passaram a correr a todo vapor. E o time não deixava de lado sua preparação, participando dos festivais junto com os grandes da elite. Muita gente queria ver de perto o 11 vascaíno, e sua torcida só crescia. Graças, claro, aos jogadores, muitos deles arregimentados nos clubes menores e que recebiam, discretamente, remuneração para jogar. A prática não era nova, nem exclusiva. Vários outros clubes, especialmente os da elite, costumavam premiar seus jogadores, todos filhinhos de papai, com mimos financeiros, conseguidos em vaquinhas entre diretores mais abastados. Mas o Vasco estabeleceu outro tipo de remuneração: a mensal, mais os bichos, um embrião do profissionalismo que iria se tornar regra anos depois, graças ao nosso pioneirismo - que sempre incomodou os rivais, especialmente os emproados da Zona Sul carioca.

Assalariados e com o bicho, e empregados em casas do comércio, quase todas de vascaínos, os jogadores podiam dedicar mais tempo à bola e a grande transformação do futebol estava a caminho. O Vasco era uma nau a caminho da glória, mas necessitava de um comandante de valor para levar o time à Série A da Primeira Divisão, a primeirona de fato e de direito. E alguns sinais na temporada de 1922 deixaram isso claro.

Primeiro, a preparação do time mostrou certa fragilidade nos dois amistosos contra o Villa Isabel, com uma goleada sofrida (4 x 1) em 15 de janeiro e uma vitória apertada por 1 x 0, em 12 de março - a surra de 7 x 2 aplicada no niteroiense Ararigboya não pode ser encarada exatamente como uma participação brilhante, pela fragilidade do rival. 

Depois, no Torneio Início de 1922, ainda sem um técnico permanente, faltou força e estratégia para chegar mais longe. Jogado em 26 de março, nas Laranjeiras, o Vasco começou vencendo o Mangueira por 2 x 0. Nas quartas-de-finais, passou pelo Americano por 1 escanteio a 0, após o empate em 0 x 0. Aí, na semifinal, encontrou uma equipe da Série A, o Flamengo. Com um gol de Segreto, foi eliminado. Há muitos flamenguistas, inclusive, que consideram este encontro de 20 minutos como o primeiro confronto oficial entre os dois times. Lógico que não é. Em nenhuma estatística de clube algum os jogos de Torneio Início são computados. Para fins históricos, o primeiro jogo foi disputado em 1923 - e nós iríamos vencer.

Platero revolucionou o
futebol do Rio no Vasco
O desempenho no Torneio Início deixou claro que faltava um treinador e, a 5 de abril, pouco antes da estreia, o clube propôs um contrato ao uruguaio Ramón Perdomo Platero. Ofereceu 300 mil réis para que ele dirigisse o clube. Nome consolidado no futebol, o treinador fora campeão sul-americano de 1917 dirigindo a seleção de seu país. Também conquistara o Carioca de 1919, à frente do Fluminense, e foi um dos treinadores do Flamengo em 1921, ano em que o clube foi campeão. O problema é que ele voltara a ser técnico do Flamengo em 1922. Como o valor oferecido não agradou, Platero ficou no clube da Zona Sul, mas, espertamente, registrou-se, antes da disputa, no Flamengo como treinador e massagista e como massagista do Vasco, o que permitia trabalhar em qualquer uma das agremiações.

Ainda sem um comandante e sem o campo, o Vasco teve de alugar General Severiano, pagando 250 mil réis, para encarar o forte Palmeiras na estreia, em 16 de abril. Alinhando com Nelson, Mingote e Leitão; Pedro Nolasco, Braulio do Prado e Arthur Medeiros; João Dutra da Silva, Torteroli, Bolão, Paschoal e Negrito, meteu um implacável 4 x 0, com dois gols de Bolão e outros dois de Torteroli. 

Uma semana depois, era a vez de voltar a atuar contra o Villa Isabel. No gramado irregular do antigo Jardim Zoológico, na Praça Barão Drummond, o time perdeu por 1 x 0. O alerta estava dado. Era preciso um técnico que desse padrão de jogo ao time. Assim, Platero foi novamente chamado para ouvir uma nova proposta: treinaria o Flamengo e, nas horas de folga, faria "uma supervisão" no Vasco. Ou seja, acumularia os dois times.

Enquanto o acordo era costurado, o Vasco pegou o Mackenzie, na Rua Serzedello Corrêa, em 30 de abril, vencendo por 3 x 0, gols de Bolão, Dutra e Torteroli. Depois, com dois gols de Bolão, o Vasco venceu o Carioca por 2 x 1, em 14 de maio, também no campo do adversário. Só que houve um problema com a combinação que se passava na cabeça de Platero: o Flamengo, que já olhava atravessado para o time de negros e pobres do Vasco, não topou que seu técnico dividisse as atenções a duas equipes. E deu um ultimato para que ele escolhesse - na versão do nada isento O Imparcial, o Flamengo demitiu o treinador por não cumprir com suas tarefas. 

Segundo Platero, como havia sido demitido do Flamengo em 1921, após um empate com o Bangu em um mero amistoso, ele preferia o Vasco e deixou o impasse nas mãos dos dirigentes vascaínos, propondo o mesmo contrato que tinha com o rubro-negro: dois anos de duração, multa de dois contos de réis e salário de um conto de réis. Uma fortuna e um acordo que atravessava duas gestões presidenciais do clube, que duravam um ano. Apesar disso, acabou contratado. E começou a revolucionar não só o Vasco, mas o futebol carioca.

Logo de início, com o aval da diretoria, transformou o imóvel que havia no campo da Moraes e Silva em um dormitório, com camas, colchões, travesseiros e cozinha, para que os jogadores almoçassem após as atividades e dormissem ao fim do dia, na chamada concentração. A prática era comum em outros clubes, mas nem todos os jogadores topavam. No Fluminense, por exemplo, o goleiro Marcos Carneiro de Mendonça nunca a a aceitou - e tinha seus motivos, pois se tratava de um atleta exemplar. O mesmo não podia ser dito em relação aos demais. O problema não ocorreria no Vasco, repleto de jogadores de condição social mais simples, que tinham a oportunidade de fazer do futebol um meio de vida - ainda que isso despertasse o ódio e os protestos da elite carioca, adepta dos jogadores supostamente amadores.

Alheio a isso e adepto da tese de que “Deus ajuda quem cedo madruga”, Platero pôs os jogadores para morar no alojamento e programou treinos para as primeiras horas do dia. Atletas da época relatavam que, às 5h30, noite ainda, o despertador tocava e o uruguaio principiava a chama-los, com seu sotaque: “Alça e meneia, que el dia clareaaaa...”, convocando cada um pelos nomes, com ênfase especial para os atletas que resistiam a acordar, como Leitão, Bráulio e Nelson. Em seguida, dividia o grupo em duas fileiras e os colocava para correr, dando a eles mais preparo físico, com direito ao ar puro das primeiras horas do dia.

Ramón Platero estreou no comando do time em 21 de maio, e o resultado foi um decepcionante empate por 1 x 1, na Rua Figueira de Melo, com o Americano, gol de Torteroli, deixou o Vasco com sete pontos ganhos e três perdidos, contra 12 pontos ganhos do Villa Isabel, uma distância perigosa. É bom lembrar que as rodadas, na época, não eram como hoje, com todos os jogos em datas próximas, como quarta e quinta ou sábado e domingo. Para se ter uma ideia, àquela altura do torneio, o Vila já havia cumprido os seis jogos do turno, ganhando todos, enquanto o Vasco fizera apenas cinco exibições.

O trabalho do treinador iria começar a dar resultados em 28 de maio, no jogo contra o Mangueira, em General Severiano. O Vasco perdia por 1 x 0 até os 38 minutos do segundo tempo, o que o distanciaria demais do Villa. No gol rival, o ágil arqueiro Lebre impedia o empate vascaíno de todas as maneiras. Até que Arthur empatou. E aos 41, Bolão, de cabeça, virou o jogo. O time mantinha a segunda posição, ainda com três pontos a menos que o Villa Isabel, adversário na rodada seguinte, pelo returno.

Com as obras na Moraes e Silva concluídas, Platero pediu à direção que o jogo fosse realizado no campo em que o time treinava. A vitória sobre o Villa Isabel era questão de ordem no Vasco. Assim, a diretoria conseguiu que a comissão designada pela Liga aprovasse o campo e confirmasse a partida para 4 de junho. Com arbitragem de Carlito Rocha, que seria presidente do Botafogo nos anos 1940, o Vasco enfrentou o Villa com seus 11 titulares: Nelson, Mingote e Leitão; Nolasco, Bráulio e Arthur; Paschoal, José Cardoso Pires, Bolão, Torteroli e Negrito. O campo foi pequeno para receber a plateia, o que gerou uma renda de astronômicos 4 contos de réis, altíssima para a segunda divisão. Houve gente que se pendurou em muros, árvores e onde mais pudesse. Tudo para ver uma atuação de gala do time.

O Vasco saiu atrás, logo no começo do jogo, mais ainda na primeira etapa virou com dois gols de Bolão. Mesmo com chances para os dois lados, o placar não mudou mais e o Vasco, com a vitória, ficou a um ponto do Vila, tendo como referência os pontos perdidos – o Vasco tinha três, de uma derrota e um empate, enquanto o Vila apenas dois, referentes ao jogo daquele dia.

A comemoração dos vascaínos estendeu-se pela cidade, mas houve um problema sério. Ao deixar o campo da Moraes e Silva, os vascaínos, entre eles Antônio da Silva Campos, diretor de Futebol, e o técnico Ramón Platero, saíram na carreata que comemorou a vitória e decidiram passar pelo Boulevard 28 de Setembro, onde ficava a sede do rival. O confronto com torcedores do Villa foi inevitável. Pedradas, carros investindo contra pedestres e notícia de tiros estamparam os jornais do dia seguinte. Platero chegou a ser preso e acusado de ter disparado um revólver contra a sede do Villa, mas foi logo solto. O tumulto foi tamanho que os clubes romperam relações. 

Rivalidades à parte, o time ainda demoraria a tomar a ponta, já que o rival cumpriu uma campanha igualmente brilhante, derrotando Mangueira e Palmeiras nos jogos seguintes, em 11 e 18 de junho. Restava também ganhar os seus jogos. Mas a sorte resolveu, enfim, dar uma ajuda em 25 de junho. Neste dia, na Moraes e Silva, o Vasco fez 3 x 0 no Mackenzie, gols de Pires, Torterolli, Paschoal, enquanto o Americano venceu o Vila por 2 x 0, em Campos Sales.

Por pontos perdidos, o líder era o Vasco. Mas era preciso confirmar a vantagem. Assim, em 2 de julho, no campo da Rua General Silva Teles, em Vila Isabel, marcou 4 x 2 no Mangueira, com dois de Pires e dois de Negrito. Na rodada seguinte, os dois clubes entraram em campo no dia 9 de julho. Na Rua Moraes e Silva, com gols de Bolão, o Vasco fez 2 x 0 no Americano. O Vila arrancou um 3 x 2 em cima do Carioca, na Estrada Dona Castorina, em jogo suspenso por falta de luz e cuja conclusão, em 6 de agosto, não ocorreu, porque o Carioca não compareceu, com a Liga confirmando a vitória e o placar. 

Com um time cada vez mais afiado, o Vasco iria encontrar, em 16 de julho, o Carioca, na Rua Moraes e Silva. Na semana que antecedeu a partida, as acusações trocavam de lado, fomentadas pela imprensa, que revelou um suposto complô de Carioca, Villa e Palmeiras contra o Vasco. Como resposta, o Vasco acusou o Carioca de ter subornado dois jogadores palmeirenses por 500 mil réis, fato que gerou uma investigação e punição a três pessoas.  

O encontro teve um desenvolvimento e um placar atípico. O Carioca abriu 2 x 1, mas o Vasco empatou e virou, num gol contestado por muito jogadores, mas em especial por Braz de Oliveira, autor dos tentos do time do Jardim Botânico até então. Revoltado com a confirmação, Braz saiu de campo e deixou a equipe com dez homens. A vantagem numérica fez com que o Vasco goleasse por históricos 8 x 3, com quatro gols de Bolão, dois de Pires, um de Paschoal e um de Torterolli. No mesmo dia, o Villa marcou 3 x 1 no Mackenzie. 

A goleada vascaína suscitou muitas dúvidas e acusações. A história tratou de nunca esclarecer direito, mas havia a acusação de que Braz recebera 500 mil contos de réis do Villa Isabel para endurecer a partida. O Vasco, por sua vez, foi acusado de ter subornado Esquerdinha e Surica, que não apareceram para jogar. Nada ficou provado, nas investigações realizadas, e Braz, cuja folha corrida no futebol já era complicada, foi eliminado dos quadros da Liga.

Assim, na última rodada, marcada para 23 de julho, bastava vencer o Palmeiras para conquistar o título da Série B. Foi uma atuação de gala dos comandados de Ramón Platero. Sem dificuldades, o Vasco fez 5 x 0 no campo da Rua Barão de São Francisco, com dois de Torterolli, e um de Pires, Bolão e Negrito. Com 21 pontos ganhos em 24 possíveis, um a mais que o Vila, o Vasco era campeão. Uma campanha irrepreensível, com 10 vitórias, um empate e uma derrota, 36 gols marcados e só dez sofridos e uma série de sete vitórias consecutivas.

Vasco, campeão carioca da Série B e base para o fim do racismo no futebol


Mas quem disse que seria fácil assim? Quem disse que deixariam a portuguesada comemorar em paz? Em um Rio tomado por forte sentimento antilusitano, um recurso foi impetrado logo após a vitória por 8 x 3 sobre o Carioca. O documento alegava que Leitão, ex-jogador do Bangu e que havia enfrentado, por anos seguidos, os clubes da Série A, não dera prova de ser alfabetizado e que, por isso, não podia jogar bola, já que o regulamento da Liga era feito para deixar em campos apenas os rapazes de “boa família” e de “profissão definida”. Nada de pobres, favelados ou analfabetos. Era um jogo para as elites e ali era o capítulo 1 da discriminação sócio-racial que o Vasco iria enfrentar naquela década, brigando com unhas e dentes por seus atletas. Assim, em 22 de agosto, cassaram os pontos e o título, ganho em campo.

Mas havia um detalhe: embora pobre, Leitão não era analfabeto. E isso podia ser comprovado facilmente, já que era jogador do Bangu e, portanto, previamente fichado na Liga. Em 25 de agosto, ele escreveu, de próprio punho, um requerimento à Liga informando que optara por defender o Vasco, provando que sabia escrever. Humilde, corajoso e verdadeiro. Demorou um mês para o julgamento do caso. Mas, em 22 de setembro, o Conselho Superior da Liga aceitou o recurso vascaíno e devolveu os pontos e o título ao clube.

Restava apenas disputar a partida contra o São Cristóvão, último colocado da Série A. Se vencesse, garantia o acesso à Série A em 1923 e o direito de disputar com o America o título de campeão da cidade em seu quarto centenário de fundação. A partida foi marcada para 5 de novembro, no campo do Botafogo. Escalado com Nélson, Mingote e Leitão; Palamone, Bráulio e Arthur; Paschoal, Pires, Bolão, Torterolli e Fernandes, o Vasco fez um jogo equilibrado, que terminou em 0 x 0.

O empate deu o Campeonato Carioca do centenário da Independência ao America, mas gerou um problema: no regulamento não havia previsão do que ocorreria caso o jogo terminasse empatado. Afinal o Vasco poderia subir ou não? Como Vasco escalou Leitão, a manobra para evitar o acesso era clara: o jogador estava sem registro desde a confusão com o Carioca. Logo, o São Cristóvão impetrou, em 9 de novembro, um recurso pedindo os pontos do jogo e sua manutenção na Série A, alegando que, como tinha feito um novo registro ao preencher o requerimento de próprio punho, Leitão estaria irregular. 

Só que seria demais cassar qualquer direito vascaíno baseado numa alegação falsa, já que Leitão não era analfabeto - tinha poucas letras, mas sabia escrever - estava regular, tendo atuado em todos os jogos do ano. Assim, de uma só tacada, a Liga decidiu dar o registro de amador a Leitão, rejeitar o recurso do São Cristóvão e virar a mesa de novo, convidando os dois times para integrar a Série A de 1923.

A decisão, aparentemente salomônica, acabava com a armação contra o Vasco, iniciada no caso dos pontos dados ao Carioca. Na verdade, a Liga achava que o Vasco era um clube menor, de remo e que não iria incomodar com seus pobres, negros, mulatos, brancos, ricos, semialfabetizados e portugueses. Mas isso seria um engano. E o campeonato de 1923 mostraria isso em preto, branco e com a cruz pátea no peito.


Recebida em 1922, a Taça Constantino
nunca mais deixou as sedes do Vasco
Para mostrar que não estava de brincadeira, o Vasco ainda levaria para casa um troféu especial naquele ano de 1922, Como venceu os campeonatos de primeiro, segundo e terceiro quadros da Série B, ficou de posse temporária da Taça Constantino, oferecida pela empresa José Constante & Cia. A taça está até hoje na sala de troféus de São Januário, já que, em 1924, o clube ganhou a posse definitiva, por acumular a maior pontuação nos campeonatos das três categorias durante os três anos em que ela foi disputada. 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - a mesa vira em 1921

Enquanto celebrava o campeonato dos segundos quadros da Segunda Divisão, seu modesto primeiro título no futebol, o Vasco assistia os então grandes cariocas realizarem seu esporte favorito: a virada de mesa. Reclamando que o Carioca de 1920 tinha sido inchado, com dez clubes na primeira divisão, o Fluminense, presidido por Arnaldo Guinle (que até 1920 era o mandachuva da CBD, organismo máximo do futebol brasileiro), conseguiu convencer a Liga Metropolitana de Desportes Terrestres (LMDT) a reorganizar a Primeira Divisão em dois grupos, a partir de 1921. 

No grupo A (a primeira divisão de fato) ficaram os sete primeiros colocados em 1920, Fluminense, Flamengo, Botafogo, América, Andaraí, Bangu e São Cristóvão. Palmeiras, Villa Isabel e Mangueira, os três últimos do Campeonato Carioca da primeira divisão, juntaram-se ao Carioca (campeão da Segundona de 1920), Mackenzie, Americano e Vasco, no chamado grupo B. 

Na verdade, houve uma puxada no tapete do Carioca, time que armou contra o Vasco o quanto pôde em 1920. A equipe do Jardim Botânico ficou no grupo inferior e perdeu o direito de disputar a vaga na primeira divisão na partida eliminatória contra o Mangueira. Além disso, a manobra comandada pelo Fluminense decretou o rebaixamento na marra de Palmeiras e Villa Isabel, que teoricamente tinham se garantido em campo. Mas, como todos eram times pequenos, engoliram a humilhação sem choro, nem vela, nem fita amarela.

Para compensar e justificar essa "reforma" na primeira divisão, os grandes criaram um monstrengo para definir o campeão: quem vencesse a Série B teria de disputar um jogo contra o último colocado da Série A. Caso vencesse, além de trocar a posição nos grupos com o perdedor no ano seguinte, ainda poderia enfrentar o campeão da Série A pelo título de campeão carioca. Se, no entanto, perdesse para o último colocado, o time ficaria na Série B, ostentando somente o título de campeão da Série B da Primeira Divisão.

Deu para entender? Pois é...

Essa "unificação" ainda prejudicou SC Brasil, Esperança FC, Hellênico AC, Progresso FC, SC Rio de Janeiro e River FC, que foram formar a Série A da Segunda Divisão (de fato, a terceira divisão), com o Metropolitano  AC. Ou seja, os seis primeiros acabaram rebaixados, apesar dos resultados em campo. Na Série B da Segundona (a querta divisão) ficaram Bonsucesso FC, Campo Grande AC, SC Everest, Modesto FC e Ypiranga FC. Na prática, a Liga desenhou, a partir da ideia do Fluminense, quatro divisões, com sete times, no máximo, em cada uma. Para isso, valeu rebaixar até quem não devia.

Outra compensação que serviu também para justificar a mudança foi levar os clubes da chamada Série B da Primeira Divisão a participarem, pela primeira vez, do Torneio Início principal, torneio criado pelo jornalista Mario Polo, do Correio da Manhã. E eles mostraram ao que vieram, especialmente Vasco e Palmeiras.

Em 27 de março de 1921, nosso time alinhou com Nelson, Carlos Cruz e Bueno; Adão Antonio Brandão, Palhares e Barreira; Leão, Dutra, Medina, Torterolli e Fernandes. E começou eliminando o América, terceiro colocado da Primeira Divisão em 1920 por 2 escanteios a 1, após empate por 0 x 0 nos dois tempos de 10 minutos cada. Na sequência, com um gol de Bueno, o Vasco superou o Mangueira, vencendo por 1 x 0, e se classificou para a final com o Palmeiras, mas acabou derrotado também por 1 x 0.

Era um indício de que o ano seria bom. O Vasco estava forte, inegavelmente. E ficaria ainda mais com a promoção de Mingote para o time principal e a contratação de Arthur, do Helênico, e de Godoy e Nolasco, peneirados nas ligas amadoras, uma prática cada vez maior no clube.

Forte como o Vasco, porém, era o sentimento antilusitano que varria a capital do Brasil de então, o Rio de Janeiro. João Manuel Casquinha Malaia Santos, importante historiador e doutor em História, discorre sobre o tema em livros, compêndios e teses. E prova, com farta documentação, como os jornais eram aliados nesta perseguição aos portugueses e ao Vasco, identificado como o "clube da Colônia".

Em pé, Palhares, Carlos Cruz, Nelson, Ernani Van Erven, Adão Antônio
Brandão  e Godoy. Agachados: Leão, Dutra, Torteroli, Negrito e Fernandes
Sem perceber isso, ou talvez percebendo e querendo vencer tudo e a todos em campo, o Vasco não media esforços, inclusive econômicos, para formar um grande time, que estreou na Série B em 3 de abril, jogando em General Severiano contra o Palmeiras, seu adversário da final do Torneio Início. O 11 vascaíno tinha Nelson, Ernani Van Erven e Carlos Cruz; Adão Antonio Brandão, Godoy e Palhares; Leão, Torterolli, João Dutra da Silva, Negrito e Fernandes e venceu por 2 x 0.

O segundo jogo, em 17 de abril, foi contra o Vila Isabel, no campo do Jardim Zoológico, que tinha um claro desnível, do qual o dono da casa se aproveitava e jogava o primeiro tempo na descida com força total, obrigando o adversário a encarar a subida. O resultado foi uma goleada por 4 x 1 dos donos da casa, que tinham um craque em campo: Sílvio Moreira, o Cecy, que faria história no Vasco pouco tempo depois deste encontro. 

Atraindo um público sempre superior a mil pessoas e pagando 10% de sua bilheteria aos donos dos estádios, o Vasco também começou a acalentar a ideia de ter seu próprio campo de jogo e engrossar sua receita. Enquanto isso não ocorria, ia correndo de estádio em estádio, como nos 4 x 2 aplicados em 22 de maio sobre o Mackenzie, pela terceira rodada, no campo do Botafogo, jogo teve renda de mais de um conto de réis - e mais de cem mil réis ficaram nos cofres do time de General Severiano.

O time do Vasco que empatou com o Carioca. O jogo marcou
a estreia de Mingote,  miscigenando ainda mais equipe
O problema é que veio junho, e com ele um mês sem vitórias e uma terrível queda técnica. Primeiro, o empate com o Carioca (0 x 0), no dia 5, em Campos Sales, partida que marcou a estreia de Mingote no time principal e o reencontro de Esquerdinha e Quintanilha com seu ex-clube. Que, diga-se de passagem, não foi pacato. Irritados com a suspeita de corpo mole do ano anterior, vascaínos mais exaltados tentaram agredir Esquerdinha, como registrou o jornal O Imparcial - sempre ele...

Uma semana depois do encontro com o Carioca, um 2 x 2 com o Americano, na Rua Figueira de Melo, em São Cristóvão, voltou a atrapalhar. No dia 26, uma inesperada derrota em General Severiano, para o Mangueira, por 2 x 1, partida inicialmente marcada para 15 de maio, e adiada por causa das chuvas, causou um estrago na tabela. O péssimo mês de junho iria cobrar a conta. Com seis jogos, o Vasco fechou o turno em terceiro lugar, somando seis pontos. Pouco diante das pretensões dos luso-brasileiros. 

Torcida do Vasco na partida contra o Carioca, no turno
em  foto do jornal Sport Illustrado. O público só crescia
Assim, era preciso força máxima no returno. A estreia, em 3 de julho, na Campos Sales, foi contra o forte Villa Isabel, que, mesmo sem seu campo desnivelado, vendeu caro a derrota, mas perdeu por 3 x 2. Um jogo cercado de expectativa e que rendeu ao Vasco um conto e quinhentos mil réis, o que demonstrava o crescimento da torcida. Porém, no dia 17, no campo da Estrada Dona Castorina, no Jardim Botânico, uma derrota também por 3 x 2 ante o Carioca praticamente decretou o afastamento vascaíno da briga pelo título. 

Duas goleadas iriam acender as esperanças. Em 24 de julho, o time fez 4 x 0 sobre o Mangueira no campo da Rua Prefeito Serzedello Corrêa, hoje Barão de São Francisco, no Andaraí. E, em 7 de agosto, o Vasco marcou 5 x 1 no Mackenzie, na Rua Campos Salles, voltando ter chances de brigar pelo campeonato.

Só que a rodada de 21 de agosto iria sepultar de vez as nossas pretensões. Enquanto o Villa Isabel metia 5 x 2 no Mangueira, nós ficamos no 1 x 1 com o Palmeiras, na Rua Figueira de Melo. Com três pontos a menos que Carioca e Villa, nos restava manter a honra e o terceiro lugar na partida de encerramento do campeonato, contra o Americano, que estava em crise e só mandou dez jogadores a campo. Em 28 de agosto, nas Laranjeiras, vencemos por 2 x 0 e asseguramos o terceiro posto. No mesmo dia, o Villa venceu o Carioca por 1 x 0, em seu campo de subidas e descidas, e garantiu o direito de jogar as duas partidas valendo o título, como previa o complicado regulamento da Liga. 

Os deuses do futebol decidiram punir um pouquinho o então presidente do Fluminense, Arnaldo Guinle, articulador principal da virada de mesa. Com três vitórias, dois empates e sete derrotas, o tricolor das Laranjeiras foi o lanterna da Série A e teve de encarar o Villa Isabel para se manter, vejam só, na tropa de elite carioca... A partida foi realizada no feriado de 7 de setembro, em General Severiano, mas o Villa Isabel perdeu por 3 x 1 e permaneceu na Série B em 1922. A derrota também confirmou, sem necessidade de jogo decisivo, o título de campeão da cidade para o Flamengo, vencedor da Série A após jogo-desempate com o America. 

Para nós, o ano acabaria com bons resultados. Havia o costume de realizar festivais, nada mais que jogos amistosos conjugados com atividades sociais, para buscar renda. Como era proibido aos jogadores da LMDT participar dos festivais de times ou ligas não filiadas à entidade, todo mundo disfarçava o time como se fosse de uma empresa. Assim, em 9 de outubro de 1921, o Vasco, com a alcunha de Casa Portella Team, encarou o Bangu, terceiro colocado da Série A, na Rua Figueira de Melo. A goleada vascaína por 4 x 1 foi o primeiro sinal de que o time estava mais forte e iria brigar por título em 1922. 

Uma semana depois, no festival da Caixa Beneficente da Guarda Civil, em Campos Sales, o jogo foi contra outra equipe da Série A, o Andarahy, que terminara o campeonato empatado com o Bangu. O empate em 1 x 1 reforçou a impressão de que o time estava pronto. Mas um novo encontro com o mesmo adversário, em 13 de novembro, deu o sinal de que era preciso ainda caminhar mais, já que formos derrotados por 2 x 1.

O fechamento da temporada viria em 27 de novembro, quando o time subiu a serra rumo a Petrópolis para disputar a Taça Atlas contra o Serrano FC, campeão da cidade e então um time forte. Vitória por 3 x 0 e o troféu conquistado, embora o time petropolitano tenha tido três gols anulados... 

Fora de campo, a ideia de ter estádio próprio amadureceu de vez e a chance apareceu no mesmo novembro. O SC Rio de Janeiro, tradicional clube formador de jogadores, anunciou sua dissolução e o campo da Rua Moraes e Silva, já aprovado para jogos, ficou disponível para aluguel. Em dezembro, o dono da área, Alfredo Novis, ligado às corridas de cavalo (ali perto, onde hoje é o Maracanã, ficava o chamado Turf Club, nome da estação de trens), fechou um acordo com os vascaínos. O clube pagaria 650 mil réis por mês, os impostos e o seguro contra incêndio e ficaria com o campo demarcado, a área vizinha e uma pequena construção, com um salão, dois cômodos que serviriam para alojamento, cozinha e banheiros. Ali iria treinar o futebol, o atletismo e o basquete. Assim, o campo da Rua Barão de Itapagipe, onde o Vasco costumava treinar, foi devolvido. 

O fim do ano era animador e um prenúncio do que estava por vir em 1922. Seria um grande ano, diga-se de passagem.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - as armações anti-vascaínas de 1920

O desafio de subir para o grupo de elite do futebol carioca começaria novamente em 1920, mas com uma mudança na Segundona: o Palmeiras subiu, no lugar do Carioca, time do Jardim Botânico. Não sem uma disputa complicada, já que, no primeiro jogo, o Carioca fez 4 x 1 e seria mantido na primeira divisão. Só que escalou Sebastião Pinheiro, o Villa, e Horácio Veiga, que não tinham condição de jogo, e a partida foi anulada. No jogo remarcado, vitória palmeirense por 4 x 2 e vaga na elite.

Com o Carioca e o Helênico, tradicional clube do Rio Comprido, campeão da Terceira Divisão e que foi promovido no lugar do Cattete, que desistiu do futebol, a segundona de 1920 seria ainda mais difícil. Para isso, era preciso reforçar o time. E o Vasco começou trazendo um jogador da primeira divisão: Jayme Fructuoso, ex-Andarahy, que se associou ao cruzmaltino. Além dele, vieram Carlos Medina, do SC Rio de Janeiro, Domingos Passini, o Mingote, descoberto num time amador da Saúde e que seria um dos titulares da campanha de 1923, e Alípio Martins, o Negrito, do Lapa FC. 

Estreamos bem, vencendo o Americano, por 4 x 2, em 21 de março, na Rua Campos Salles. Ali já se podia ver o desenho do time que, mais tarde, dominaria o futebol carioca. Naquele dia, foram a campo Nélson Conceição, Horário Rosa, Carlos Cruz, Manoel Barreira Benedito Palhares e Arnaldo Quintanilha; Negrito, Leão, João Lamego, Antonio Silva e Aristides Batista, o Esquerdinha. 

Na sequência, duas vitórias atuando em Campos Sales: em 2 de maio, 2 x 1 no Rio de Janeiro; no dia 16, Vasco 4 x 0 no Brasil. O time era líder invicto.  Porém, a derrota para o Mackenzie por 2 x 0, no campo do Andarahy, em 30 de maio, complicou um pouco. Só que, com uma sequência de quatro vitórias consecutivas, o time voltaria à ponta. Primeiro, um 6 x 3 no Esperança, na Rua Campos Sales, em 13 de junho; depois, 3 x 0 sobre o Helênico, em 20 de junho, em plena Rua Itapiru; a seguir, um suado 2 x 1 no Ríver, na Piedade, em 27 de junho; e 4 x 1 sobre o Progresso, no campo da Rua João Rodrigues, no dia 4 de julho.

E aí veio o jogo chave: Vasco x Carioca, em 1° de agosto. 

A semana deste jogo fora complicada. Os dois times, e o Mackenzie, disputavam a ponta jogo a jogo. Com um ponto a mais que o rival, o Vasco estava empatado com o Mackenzie e, se vencesse, poderia abrir boa vantagem, numa época em que a vitória só valia dois pontos. Se, em campo, o Vasco ia bem, fora dele faltava a articulação de bastidores, o que sobrava no Carioca. Um mês antes do jogo, o time do Jardim Botânico já colocava em dúvida a condição de jogo de Esquerdinha e de Quintanilha. E tudo com o auxílio da mídia, em especial do jornal O Imparcial - que de neutro não tinha nada.

Ainda sem notar o tamanho da articulação contrária ao Vasco, o time entrou em campo e atropelou: 4 x 1 no Carioca. O time já sonhava com a promoção à primeira divisão e torcida ia em peso ao estádio. Nesta partida, o Vasco conseguiu sua primeira renda acima de um conto de réis, batendo em um conto e 264 mil réis.

Mas o Carioca não digeriu bem a derrota e a liderança vascaína. E logo formalizou uma denúncia sobre a condição de jogo da dupla, acusando Esquerdinha e Quintanilha de serem profissionais - ou seja, receberem para jogar futebol. Era evidente a má vontade com o Vasco, como mesmo atestou o presidente Marcílio Telles - que, ainda por cima, tinha de encarar uma feroz oposição dentro do clube. Tumultuado internamente e sob fogo cruzado do time da Zona Sul (sempre esse pessoal da Zona Sul contra o Vasco...), a partida acabou sendo anulada e remarcada para o dia 7 de novembro.

O bafafá envolvendo os atletas acabou afetando a estreia do Vasco no returno e criando um clima anti-vascaíno, que não seria novidade em nossa história. Assim, em 8 de agosto, o time da cruz de malta iria enfrentar o Rio de Janeiro e o ódio dos rivais. O encontro foi na Rua Moraes e Silva e ficou marcado pela violência contra torcedores e jogadores vascaínos. Em campo, Negrito foi agredido por um adversário e estourou uma briga, contida pelos policiais com golpes em cima dos vascaínos. Sem garantias, o presidente tirou o time de campo com o placar adverso de 2 x 1, como registra o livro do historiador vascaíno José da Silva Rocha. Uma atitude contra a violência que deveria ter sido copiada por outros presidentes cruzmaltinos, se eles conhecessem a história do clube.

Mas, na imprensa... Na imprensa, o discurso era diferente. Ela via a torcida do Vasco como culpada. Até o jornal O Paiz, do português João Lage, criticou o comportamento dos torcedores naquele encontro. 

Sem se importar ainda com esta questão de bastidores, a reabilitação vascaína viria num maiúsculo 5 x 0 sobre o Ríver, em Campos Sales, no dia 29 de agosto. Só que, depois, viria o estranho jogo contra o Helênico... No dia 5 de setembro, em General Severiano, o Vasco acabou derrotado por 3 x 2, com uma atuação abaixo do esperado. Tal fato fez com que alguns sócios voltassem sua atenção para a dupla Esquerdinha e Quintanilha, mais tarde acusando um deles de ter recebido suborno do time rival, fato nunca comprovado.

Atacado por fora e por dentro, o Vasco voltou a colher uma outra derrota por 3 x 2, desta vez para o Americano, em 10 de outubro, na Rua Paysandu, campo do Flamengo. Enquanto nossa espiral era de queda, a do Carioca era de alta, vencendo partidas seguidas. Uma breve reação, com vitórias por 3 x 1 sobre o Progresso, em 24 de outubro, na Rua Figueira de Melo, e por 1 x 0 sobre o Esperança, no Marco VI, deixou o time pronto para encarar o Carioca outra vez.  

O jogo na Rua das Laranjeiras foi disputado. Só que, sem poder escalar Quintanilha e Esquerdinha, o Vasco perdeu por 2 x 1. Uma derrota que atrapalhou definitivamente as pretensões do clube, pois, com a nova desistência do SC Brasil, o Vasco levou os pontos da partida que seria disputada em 12 de novembro. Dentro do clube, a situação de Esquerdinha e Quintanilha ficou cada vez mais complicada e os dois acabaram eliminados do Vasco.

Com isso, a 19 de dezembro, Vasco e Carioca voltariam a se enfrentar, em uma partida repleta apenas de rivalidade, pois o campeonato já estava decidido em favor do time do Jardim Botânico. A derrota por 2 x 0 só confirmou o título. Na partida final, em 26 de dezembro, um empate por 3 x 3 com o Mackenzie tirou do Vasco até mesmo o vice-campeonato, deixando o time em quarto lugar, um ponto atrás de Americano e Mackenzie, empatados em segundo, e a seis do Carioca, campeão da Segundona de 1920.

Curiosamente, os questionados Esquerdinha e Quintanilha teriam clube novo em 1921. Sim, foram jogar no Carioca... E a única gritaria que houve contra isso foi do Vasco. O time do Jardim Botânico só recebeu uma moção de censura por ter contratado jogadores eliminados por um rival. Mais uma lição para aprender.

Um título para chamar de nosso

A compensação pela frustração na temporada de 1920 seria o primeiro título do Vasco no futebol. Uma conquista modesta, mas que evidenciava que o trabalho estava sendo feito com capricho. Naquele ano, o clube conquistou o título de campeão dos segundos quadros da Segundona. Como o futebol, à época, não previa substituições, as equipes possuíam os chamados segundos quadros (algumas, como o Vasco, devido ao interesse dos associados, também tinham o terceiro), com os jogadores reservas. Este torneio deu origem, mais tarde, ao chamado campeonato de aspirantes, disputado por jovens subidos dos juniores e reservas, com jogos nas preliminares das competições principais, que sobreviveu até 1970.

Durante a disputa do campeonato dos segundos quadros de 1920, Vasco e Helênico terminaram a disputa com 30 pontos. Os nossos foram conquistados da seguinte maneira: 2 x 0 no Americano; 0 x 4 para o Rio de Janeiro, que perdeu os pontos por escalar jogadores sem condição; 4 x 1 no Mackenzie; 2 x 0 no Esperança; 1 x 4 para o Helênico; 6 x 1 no Ríver; 4 x 0 no Progresso; 1 x 0 no Carioca; 5 x 3 no Rio de Janeiro; 4 x 0 no Ríver; 0 x 2 para o Helênico; 0 x 2 para o Americano; 4 x 1 no Progresso; 7 x 2 no Esperança; 1 x 0 no Carioca; e 5 x 1 no Mackenzie - o Brasil entregou os pontos de seus jogos.  

Por causa das marchas e contramarchas da Liga, que veremos no próximo capítulo desta série, as duas equipes só puderam disputar o título em março de 1921, em um jogo extra. Alinhando com Miguel Cavalier, Ernani Van Erven e Carlos Pinto da Silva; Antonio Borges, Eudino Wubert e Djalma Alves de Sousa; Aquiles Pederneiras, Nicomedes Conceição (o Torteroli), Carlos Gomes Faria, Adão Antônio Brandão e Alfredo Godoy, o Vasco venceu por 4 x 2 e levou para a casa o seu primeiro troféu no futebol.

O título dos segundos quadros foi muito comemorado pelo Vasco
Um título modesto, mas muito festejado. Para celebrar, o clube cunhou medalhas de ouro 18 quilates e as ofereceu aos jogadores, bem como um jantar comemorativo, um chá de sexta-feira e um baile na Associação dos Empregados do Comércio.

Era o prenuncio de um grande ano. Mas 1921 começaria com mais uma virada de mesa... Mas vamos falar disso somente amanhã, em mais um capítulo da saga vascaína pelos campos e tapetões do futebol.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - um returno para esquecer em 1919

A chegada do goleiro Nelson Conceição, o Nélson Chauffeur, vindo do Engenho de Dentro, seria o primeiro passo para um Vasco forte. Embora fosse goleiro apenas de ligas amadoras, ele era, inegavelmente, um atleta e tanto. E o primeiro membro ilustre de uma dinastia que marcou o Vasco: a de grandes arqueiros negros ou mestiços. Nélson foi o primeiro, mas depois dele vieram outros como Barbosa, Jaguaré e Acácio. 

A chegada dele e de bons jogadores da Liga Suburbana davam aos vascaínos da época uma ponta de esperança de ganhar a Segundona em 1919 e, finalmente, poder encarar os jogos com o clubes tradicionais como America, Botafogo e Fluminense, além do recém-chegado Flamengo, nascido do remo como o Vasco, mas que, ao contrário do Gigante das Regatas, só foi vencer o campeonato da modalidade após começar a disputar o Carioca de futebol. Enquanto isso, em 1919, ganhamos o sexto troféu do remo para colocar em nossa sede, na Rua Santa Luzia.

Mas o futebol ainda demoraria mais um tempinho para nos legar o primeiro título. É, apesar dos reforços, o ano seria muito instável em campo. E fora dele também, pois as inscrições de Esquerdinha e Quintanilha foram recusadas, de início, com a dupla só podendo estrear bem depois.

A Segundona teria, em 1919, os mesmos times de 1918, pois o Americano perdeu para o Mangueira, último da primeira divisão, por 2 x 1 e não conseguiu subir. Além deles, o campeão da Terceira, o Esperança FC, foi promovido na vaga do Boqueirão do Passeio, que abandonou o campeonato do ano anterior. A disputa do Torneio Início, uma competição de um dia, com jogos de cinco minutos e decisão da vaga até pelo número de escanteios, deu um alento ao Vasco, que chegou à semifinal, perdendo para o Palmeiras.

Só que a estreia no campeonato não podia ser pior. Desfalcado de Nélson, com Ary Corrêa numa tarde pouco inspirada no gol, o time perdeu por 6 x 5 para o Mackenzie, em 8 de junho. Na rodada seguinte, em 22 de junho, veio a reabilitação, com um expressivo 8 x 2 em cima do Ríver, que abolira o “sobrenome” São Bento. Em 1° de julho, um 4 x 4 com o Rio de Janeiro e o 6 x 1 no Esperança, no dia 20 do mesmo mês, mostraram que o time engrenara. Porém, em 2 de agosto, o Vasco não passou de um empate por 2 x 2 com o Progresso, o que atrapalhou muito. Mas a equipe fez 4 x 3 no Palmeiras, em 10 de agosto, no campo do São Cristóvão, e finalizou o turno com dez pontos, pois o jogo com o Americano só seria realizado em 28 de setembro, quando a bola já rolava no returno.  

Os dois pontos finais vieram graças à desclassificação do Cattete, que tentara se fundir com o Engenho de Dentro e foi sabotado por seus prórpios atletas, insatisfeitos com a chegada dos suburbanos, e por um clube da primeira divisão que alugava o campo ao time. Que clube era? O Flamengo, que, por duas vezes desmarcou jogos e fez com que o time perdesse os pontos e fosse riscado da segundona. 

O WO do Cattete deixou espaço para o Vasco sonhar, embora o campeonato tivesse ficado imprevisível após essa primeira desistência, e iria ficar ainda pior quando o SC Brasil também abandonasse a competição, o que ocorreria mais adiante.


O problema é que o segundo turno do Vasco começou bem e acabou mal. O início foi animador. Primeiro, com a vitória sobre o Brasil por 4 x 0, em 31 de agosto. Depois, outro triunfo, um 2 x 0 sobre o Rio de Janeiro, em 7 de setembro, no campo da Rua Moraes e Silva, que nos daria muitas glórias, anos mais tarde. A seguir, encaramos o Americano, em jogo ainda do primeiro turno, em 28 de setembro, e ficamos no 3 x 3. Por fim, o 2 x 0 em cima do Ríver, na Piedade, em 9 de novembro, deixou o time com chances reais de subir, pois o título estava entre cinco clubes: Palmeiras, Rio de Janeiro, Mackenzie, Americano e Vasco, àquela altura o líder do campeonato.

O que ninguém esperava era perder do Progresso. Em 30 de novembro, na Rua Paysandu, tivemos de engolir um 2 x 1 completamente fora dos planos e que desanimou o time. Nem mesmo o WO do Brasil ajudou, pois, em 7 de dezembro, o Palmeiras bateu o Vasco por 4 x 2, um péssimo resultado, pois envolvia um time que disputava o título. Uma semana depois, outra derrota contra um dos ponteiros do campeonato: Americano 2 x 0, na Rua Campos Sales. Demos adeus ao campeonato nesta sequência.

O time só se reencontrou tarde, em 21 de dezembro, quando venceu o Esperança por 3 x 2. Na última rodada, o time perdeu de novo, desta vez para o Mackenzie por 3 x 2, no campo da Rua Dias da Cruz, fechando em quinto lugar, com 23 pontos, cinco atrás do campeão Palmeiras, quatro atrás do Rio de Janeiro e do Mackenzie e a dois do Americano.

Não fosse a irregularidade do segundo turno, era a hora de ir para a primeira divisão. Não foi daquela vez, mas o primeiro título em campo estava perto. Bem mais do que se imaginaria, como veremos em breve...

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - 1918, um ano para esquecer

O bom desempenho do Vasco no Campeonato Carioca da segunda divisão de 1917 deu esperanças para uma boa campanha no ano seguinte. Depois de ver o America alugar seu campo para o Americano, o clube fechou uma parceria com Baltar Junior, vascaíno que presidia o São Cristóvão, da primeira divisão, e foi mandar seus jogos no campo da Rua Figueira de Mello, que sobrevive até hoje no mesmo endereço e pode ser avistado do viaduto da Linha Vermelha. Nesta época, a sede vascaína ficava na Rua Santa Luzia, no centro da cidade. E a cada ano era imensa a peregrinação atrás de um campo oficial, já que o número de adeptos do Vasco crescia a olhos vistos. 

O Cattete, campeão da segundona em 1917, não conseguiu a promoção, ao perder a disputa com o Vila Isabel, lanterna da primeira divisão, por 5 x 0. Afinal, não bastava ganhar dos adversários de divisão. Era preciso também superar o lanterna da primeirona, naquela época. Assim, a Segundona de 1918 alinhou Vasco, Cattete, Progresso, Palmeiras, Brasil e Ríver-São Bento, disputantes em 1917, e os promovidos Rio de Janeiro, Mackenzie e Americano (time do Engenho de Dentro, que nada tem a ver com o de Campos). Os três novatos ocuparam as vagas de Boqueirão do Passeio, que desistiu do futebol, e dos rebaixados Icarahy e Paladino. 

Os egressos da terceira divisão, contudo, eram times fortes, que estavam naquela série somente devido à reorganização do futebol carioca, na sua segunda virada de mesa. Desta maneira, a vida do Vasco na nova segundona não foi fácil em 1918. Já na estreia, em 13 de maio, o 11 formado por Luiz Dias Martins, Jayme Fernandes Guedes, Carlos Cruz, Alberto da Costa, Eudino Wubert e Adão Antônio Brandão; Antônio Silva, Salvador Mazzeu, Julio Kunger, Álvaro Sá Reis e Rafael Guerreiro perdeu por 3 x 2 para o Rio de Janeiro, o que mostrou que o caminho a ser trilhado era rigoroso. No segundo jogo, mesmo desfalcado de Jayme Fernandes Guedes substituído pelo irmão Fernando, vitória por 3 x 2 sobre o forte Americano, em 19 de maio, no estádio da Rua Campos Salles, local do Shopping Iguatemi do Rio de Janeiro. Jayme seria nosso presidente em 1945 e, naquele mesmo ano de 1918, foi eleito segundo secretário, afastando-se do futebol. 


Negros e brancos no time eram rotina no Vasco de 1918
Como era praxe desde que chegou ao futebol, o time do Vasco já alinhava brancos, negros e mulatos, sendo um deles, o médio Benedito Palhares, titular naquele encontro. A foto ao lado, da revista semanal Fon-Fon, é uma das várias imagens do jogo contra o Americano. Hoje, é um documento histórico que mostra que, ao contrário de outros times, o Vasco daquela época já era miscigenado. 

Mas a mistura racial que iria incendiar o futebol carioca em poucos anos ainda não era suficiente para que tivéssemos um grande time. Assim, diante do Palmeiras, em 2 de junho, perdemos por 5 x 0. Uma semana depois, Cattete 2 x 1. A vitória por 2 x 0 sobre o Ríver-São Bento, em 23 de junho, e os 4 x 3 sobre o Brasil, duas semanas depois, deram a impressão de uma reação, que logo foi apagada com a derrota de 3 x 2 para o Progresso, em 14 de julho. A vitória por 2 x 1 sobre o Mackenzie, vice-campeão da terceirona, deixou o time com um ânimo novo para o returno. O time, porém, perderia os pontos da partida, por escalar o ponta-esquerda Antonio da Costa Faria irregularmente. Na época, os diretores Antonino Costa e Antonio da Costa Fonseca acabaram afastados pelo erro, tendo sido substituídos por Albertino Moreira Dias e Pascoal Pontes. Mais tarde, Jayme Fernandes Guedes iria integrar esta comissão também.

A estreia no returno seria decepcionante: Americano 5 x 1. Na sequência, uma série de cinco vitórias: em 15 de setembro, 4 x 3 no Palmeiras; 5 x 3 no Progresso, em 29 de setembro; outros 5 x 3 no Brasil, em 6 de outubro; 3 x 2 sobre o Cattete, no dia 12 de outubro; e 5 x 2 no Ríver-São Bento, em 15 de dezembro.

Faltavam dois jogos e, com 18 pontos, o Vasco não tinha mais condições de ser campeão. Assim, as derrotas para o Rio de Janeiro (3 x 0) e para o Mackenzie (6 x 0) alertaram para dois problemas: falta de jogadores mais experientes e de um campo para treinos. Mesmo assim, o time encerrou o ano na terceira posição, empatado com o Palmeiras, onze pontos atrás do campeão Americano e com seis a menos que o vice Mackenzie.


Por isso, para o campeonato de 1919, ano em que a seleção brasileira conquistaria o primeiro título sul-americano, o Vasco procurou reforços nos campos de subúrbio, mais precisamente nas ligas amadoras, ampliando ainda mais o time multirracial e multissocial que faria história no começo da década seguinte. Do Engenho de Dentro vieram o ponta Aquiles Pederneiras; o goleiro Nelson Conceição, o Nélson Chauffeur (foto acima); o médio Arnaldo Quintanilha; e o atacante Aristides Batista, o Esquerdinha. Do  time da Fábrica Mavilles, Augusto Alves, o Leão, que atuara pelo Andarahy, da primeira divisão, em 1917. O time ficou mais encorpado e iria para o Carioca de 1919 com outro brilho.

Mas isso é história para outro dia...

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - a esperança nasce em 1917

O segundo capítulo da saga vascaína no futebol começa com uma mudança importante. Em 1917, a Liga Metropolitana de Sports Athléticos (LMSA), que mandava na bola, deu lugar à Liga Metropolitana de Desportes Terrestres (LMDT). Esta, recebendo novas inscrições, decidiu reformar as três divisões, colocando dez times na primeira e nove na segunda e terceira. 

Seria uma prévia da virada de mesa? 

Não, na verdade era uma oficialização das viradas de mesa no futebol carioca. 

A primeira, aliás, ocorreu entre 1911 e 1912, e é interessante abrir um parêntese para contá-la, embora não nos envolva. Em 1911, o Fluminense foi campeão carioca invicto, ganhando todos os jogos contra o America, o Rio Cricket e o Paysandu, já que o Botafogo abandonou o torneio da LMSA após duas vitórias e um empate, em protesto contra punições que recebeu, e foi fundar outra liga, a Associação de Football do Rio de Janeiro (AFRJ), pela qual jogou e ganhou o carioca paralelo de 1912. O Bangu, que nada tinha com isso, jogou a segundona carioca de 1911 e venceu o torneio, voltando à elite da LMSA em 1912, depois de seis anos longe. Ocorre que, na virada de 1911 para 1912, parte importante do elenco tricolor, insatisfeita com a reserva, migrou para o Flamengo, onde foi fundado um departamento de esportes terrestres só para acolhe-los. E com privilégio, já que, em 1912, o Campeonato Carioca da principal liga teve Flu, America, Rio Cricket, Paysandu e o promovido Bangu, mais  os intrusos Mangueira, São Cristóvão e Flamengo, numa primeira virada de mesa do futebol carioca.

Assim como a LMSA fez em 1912, a LMDT agiu na virada de 1916 para 1917. No primeiro ano, haviam disputado o torneio as equipes do America (campeão), Andarahy, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e São Cristóvão. A eles se juntaram, em 1917, os times do Mangueira, do Carioca e o Vila Isabel, na tal reestruturação das divisões.

Assim, sobraram na Segunda Divisão, apenas o Boqueirão do Passeio, o Catete, o Palmeiras e o Progresso (que se fundiu com o Parc Royal, da terceira) e os times sobreviventes da Terceira Divisão foram todos realocados na segunda: o campeão Brasil, o vice Icarahy, Paladino, Ríver (renomeado como Ríver-São Bento) e Vasco. Na terceira ficaram os novos inscritos, vindos de ligas menores e suburbanas: Americano (que não era o de Campos), SC Brasileiro, Esperança, Everest, Helênico, Mackenzie, Rio de Janeiro, Smart e Tijuca.

A promoção inesperada à Segunda Divisão não foi encarada como algo positivo para o clube, mas o Vasco decidiu topar o desafio, jogando agora no campo do Fluminense, nas Laranjeiras. A estreia, contudo, foi no campo da Rua Dr. March, em Niterói, e com vitória. Em 27 de maio de 1917, o Vasco bateu o Icarahy por 4 x 2. O segundo jogo foi contra o SC Brasil, campeão da Terceirona de 1916, e deu empate por 2 x 2, no dia 3 de junho, nas Laranjeiras. Uma semana depois, foi a vez de exorcizar o fantasma do Paladino, algoz do primeiro jogo. Vasco 2 x 0 e um começo interessante na Segunda Divisão.

Mas o que era bom durou pouco e, em 8 de julho, o Vasco perderia para o forte Cattete por 5 x 3. No dia 22, nova derrota, por 4 x 1, para o Palmeiras, no campo do São Cristóvão. No dia 5 de agosto, a reabilitação, ao vencer o Progresso por 5 x 2, na Rua Itapiru, no Rio Comprido.  E na reta final do turno, mais duas vitórias: 3 x 0 no Boqueirão do Passeio, em 2 de setembro; e 1 x 0 no Ríver-São Bento, uma semana depois.

O time fechava o turno com 11 pontos, nas primeiras posições e iria encostar um pouco mais com os 6 x 1 aplicados no Brasil, em 16 de setembro. Mas a ducha de água fria viria em 16 de outubro, no campo do Jardim Botânico, com os 6 x 0 impostos pelo Cattete, jogo que ficou marcado, vejam só, pela troca de bengaladas entre os engravatados que assistiram à partida. Os tempos eram outros, mas os brigões já existiam. Na sequência, novo encontro, com vitória, frente ao Paladino: 1 x 0, em 11 de novembro.

O problema foi a sequência final de jogos. A goleada aplicada pelo Progresso, por 6 x 1, em 2 de dezembro, e o empate em 1 x 1 com o Ríver-São Bento, com o time com apenas 10 em campo, tiraram todas as chances de título e de promoção à elite. A vitória por 3 x 2 sobre o Boqueirão do Passeio, em 23 de dezembro, e a goleada por 5 x 1 sobre o vice-campeão Palmeiras, em um inacreditável dia 30 de dezembro (o último jogo do torneio foi disputado em 1° de janeiro do ano seguinte) pouco adiantaram. O Vasco fechou a segundona de 1917 em quarto lugar, com 21 pontos, dois atrás de Progresso e Palmeiras e distante sete do campeão Cattete. 

Mas uma vingancinha nós iríamos saborear. O Icarahy, depois de não comparecer a dois jogos, foi desfiliado e teria de recomeçar na terceira divisão no ano seguinte. Coube, então, ao Paladino, o algoz de nossa estreia nos campos, o último posto da segundona e, com isso, ele teria de enfrentar os três primeiros da terceira, para saber se iria permanecer ou não. Perdeu de 4 x 0 para o campeão Americano, por 6 x 1 para o terceiro colocado, o Rio de Janeiro, e por... 10 x 1 para o vice Mackenzie, sendo rebaixado para a terceira, mesmo tendo inaugurado um campo na Piedade, que mais tarde seria do Ríver.

O que importava é que o nosso time já havia melhorado. Lanterna, nunca mais. O problema era subir. E ia demorar para resolver...

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A história do futebol no Vasco - uma aventura em campo

Nascido em 21 de agosto de 1898, o Club de Regatas Vasco da Gama tornou-se, logo nos primeiros anos, o maior campeão do remo carioca. Em 1905 e 1906 vieram os dois primeiros títulos. De 1914 a 1916, o primeiro tricampeonato, desbancando os maiores papões de títulos as regatas à época, o Gragoatá e o Santa Luzia. Mas, na sociedade carioca daqueles tempos, um esporte começava a ganhar corpo e desviar a atenção de homens e mulheres de todas as idades, o recém-introduzido football.

Não só na Cidade Maravilhosa, mas em todos os estados do país começava a haver um interesse crescente naquele esporte jogado por 11 de cada lado e com uma bola. Em terras cariocas, Fluminense, Botafogo e América ganharam a companhia de outro clube, o Flamengo. As torcidas cresciam, arrebatavam público das regatas de tal forma que foi preciso até mudar o horário das provas do remo...

No meio desse movimento, vários clubes de lusitanos começaram a se organizar. O Luzitania Sport Club, o Luso Football Club, o Centro Português de Desportos, o Sport Club Luzitano... A maioria, porém, exclusiva para portugueses. Tal como ocorria com os ingleses no Paysandu e no Rio Cricket, até mesmo a colônia lusa, sempre adepta da miscigenação, preferiu separar-se dos brasileiros em seu início futebolístico.

Assim, em 1915, comandado por Raul da Silva Campos, o Vasco, clube em que brasileiros e portugueses podiam se associar livremente e que já tivera o mulato Cândido José de Araújo a presidi-lo, passou a considerar a hipótese de se aventurar pelo mundo da bola. À época, uma cisão dividiu o Luzitania em dois, o que era uma oportunidade para se criar o departamento de football. A ideia era simples: fundir o Luzitania com o Vasco. O problema seria quebrar a resistência de alguns tradicionalistas, que não queriam abrir este departamento competitivo no clube.

Em assembleia no dia 26 de novembro de 1915, mesmo com parecer contrário de uma comissão formada para analisar a fusão, a maioria dos dirigentes vascaínos votou pela fusão. O time passou a usar os vestiários da Rua Santa Luzia, no centro do Rio de Janeiro, com o campo da Praia do Russel, na Glória, sendo utilizado para os treinamentos. Era preciso caminhar 3 quilômetros para treinar, o que não assustava os amadores da época. Também foi autorizada a compra de duas bolas, calções, camisas e chuteiras, já que o material que veio do Luzitania não poderia mais ser aproveitado.

Mas faltou a filiação à Federação de Football. Com despesas altas, gastar quinhentos mil réis, naquele momento, era um luxo. Ademais, haveria eleições em dezembro e a filiação foi, temporariamente adiada.

Dois meses mais tarde, em 28 de fevereiro de 1916, após algumas listas com os sócios, finalmente o clube pôde formalizar a inscrição na Federação Metropolitana de Football. O Vasco foi, então, alojado na Terceira Divisão do Rio de Janeiro. Ao contrário de outros times, que entraram direto na primeira divisão, caberia ao Vasco trilhar o caminho dentro do campo. Sem virada de mesa e sem vaga pela janela (como a que o Flamengo conquistou, em 1912, indo para a elite do futebol mesmo sem ter títulos no remo até então e sem ter jogado a segunda divisão do Carioca, regulamente disputada desde 1910).

Enquanto se preparava para a estreia nos campos, o Vasco ia formando seu primeiro time. Chegavam mais sócios interessados em ingressar na equipe – à época, os atletas eram associados dos clubes. Disputou dois amistosos, contra o Parc Royal e o Catete, cujos resultados se perderam com o tempo. A estreia oficial do Vasco ficou, então, para o primeiro jogo da Terceirona carioca de 1916, contra o Paladino F.C., marcado para 3 de maio, uma quarta-feira, feriado nacional, no campo do Botafogo, na Rua General Severiano.

Do lado vascaíno, vestindo a camisa preta com a cruz no peito, estavam Antonio Pereira de Azevedo, Frederico Eisenwelker, Alvaro Araujo Sampaio, Vitorino Rezende Silva, Antonio Bebiano Barreto, Augusto Pereira d’Azevedo, Adão Antonio Brandão (foto), Oscar Guimarães, Mario Morais Joaquim d’Oliveira e Manoel d’Oliveira.

O resultado foi desastroso e acachapante para o Vasco: derrota por 10 x 1, com o gol solitário de Adão Antonio Brandão, um dos maiores atletas da história do clube. A goleada mostrou que o caminho seria longo. Muitos clubes desistiram ali mesmo. Não o Vasco.

Já o Paladino... O clube teria vida curta no futebol. Fundado na Rua da Quitanda, no Centro, peregrinou entre a Praça da Bandeira, a Aldeia Campista, a Piedade e Campo Grande. Vestia azul e vermelho e acabou virando Campo Grande Athletico Club em 1920, desaparecendo logo depois. Apesar de ser quase homônimo, não tem parentesco com o Campusca moderno. Mas escreveu seu nome na história naquele dia 3 de maio, que marcou a estreia dos times no campeonato da Terceira Divisão.

A campanha do Vasco no primeiro turno da Terceirona seria marcada por sucessivas derrotas por goleada. Em 13 de maio, S. C. Brasil 5 x 1 Vasco. Quinze dias depois, Icarahy 4 x 0 Vasco. Em 25 de julho, Parc Royal 4 x 2 Vasco. Por fim, em 16 de julho, River 4 x 3 Vasco. O primeiro turno mostrou o abismo da equipe em relação aos seus adversários, com cinco derrotas consecutivas.

O returno foi, igualmente, um tormento. Mas deu mais esperanças, com o ingresso de novos jogadores. No dia 3 de setembro, já com o ingresso do goleiro Ary Correa, do zagueiro Jayme Fernandes Guedes (que presidiria o Vasco no glorioso ano de 1945) e do centromédio João Lamego, o time reencontrou o Paladino. Perdeu apenas por 2 x 0. Já era uma evolução.

Em 7 de setembro, contra o Parc Royal, nova derrota por 3 x 0. Contra o Icarahy, em 22 de outubro, outra goleada, por 4 x 1. Até aquele momento, oito jogos, oito derrotas. Mas a série foi interrompida em 29 de outubro, na partida contra o Ríver. O placar de 2 x 1 refletiu o nervosismo dos vascaínos, que tinham dois jogadores a  mais que o adversário. Mas era uma vitória, na última partida da temporada, já que o time não compareceu ao jogo contra o Brasil, campeão da Terceirona.

O time de 1916. Um ano repleto de derrotas
Era para desanimar. O Vasco fechou seu primeiro ano de competições em último lugar, com apenas dois pontos em dez jogos, conquistados contra um time com nove jogadores. Abandonara a última partida. Tudo indicava que a aventura nos campos seria curta. Mas o time persistiria. Como veremos nos próximos capítulos...